Petição na Apelação da Ação Popular
do(a) Preso(a) Além do Tempo da Sentença
(Execuções Penais na República Federativa do Brasil)

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Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal
ANDRADE MARTINS - Quarta Turma -
Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região

 

(TRF3-18/Set/2000-11:13
2000.219377-MAN/UTU4)

 

Autos nº 1999.03.99.089952-9
Apelação Cível - Ação Popular
Apelante: Carlos Perin Filho
Apeladas: União Federal &
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

 

Carlos Perin Filho, nos autos do recurso supra, venho, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar, em ilustração, as seguintes matérias, doutrinas e comentários:

Por ROBERT HUGUES, crítico de Arte da TIME MAGAZINE, em matéria de capa publicada na edição Folha de S. Paulo de 14/09/2000. Vol. 3, No. 37, com destaque para os seguintes parágrafos, in verbis:

"Os norte-americanos, por exemplo, têm idéias equivocadas sobre a Austrália. Acreditam que os australianos são parecidos com eles e que se esforçam para copiá-los em tudo. Puro engano. Para começar , o idealismo não foi uma das forças que impulsionaram o nascimento da Austrália anglo-saxã. Na América do Norte, a colonização foi movida pela fé. Os puritanos acreditavam que o novo território era o solo sagrado onde poderiam viver de acordo com seus preceitos religiosos. Já a Austrália era o continente do pecado, o degredo para onde os britânicos enviavam seus criminosos. (....)" (in p. 5, negrito meu)

Na seqüência das esportivas ilustrações da arte de viver livremente, por analítico filosofar de VERA CRISTINA DE ANDRADE BUENO e LUIZ CARLOS PEREIRA, in verbis:

"capítulo 14

A FILOSOFIA ANALÍTICA

__________________________________________________________

Definição

Quanto usamos a expressão ‘filosofia analítica’, estamos querendo referir-nos a um modo de fazer filosofia que acredita que os problemas filosóficos possam e devam ser resolvidos por meio de uma análise da linguagem. Isso significa que a atividade filosófica deve preocupar-se com o esclarecimento das expressões lingüísticas e, mais abstratamente, com questões sobre a significação, a verdade, a referência. Muitas vezes lidamos com expressões que nos podem confundir, que, em vez de revelar um verdadeiro problema filosófico, não fazem mais do que revelar um falso problema. Assim, a atenção para com as expressões lingüísticas e seus elementos constitutivos revela um cuidado para com a maneira pela qual falamos das coisas e dos problemas por ela levantados.

Contexto histórico

A filosofia analítica teve início na virada do século, mas corresponde a uma concepção tradicional que entende a atividade filosófica como atividade a priori, isto é, como atividade cuja validade não depende de uma verificação na experiência, como acontece com a ciência. A compreensão filosófica se dá por meio da análise e de explicitação dos conceitos que constituem as expressões filosóficas, e da possibilidade que a explicitação feita tem de se defrontar com outras posições filosóficas. Assim a validade de uma determinada análise se verificará se ela se sair vitoriosa no confronto com outras posições. Se é assim, não se tem ainda uma idéia precisa do que seja a filosofia analítica, enquanto não se determinar o que se entende exatamente por ‘fazer análise da linguagem’, enquanto não se precisar o tipo de análise em questão. Para fazer isso, vamos partir das diversas formas que tomou o movimento da filosofia analítica no decorrer de sua história. Vamos restringir-nos aos quatro momentos que marcam seu início.

1. O primeiro momento é aquele no qual começa a ocorrer uma mudança na concepção de filosofia. É aquele em que os filósofos começam a ver que as questões sobre o sentido e sobre a linguagem desempenham um papel fundamental na filosofia. Para esse momento, muito contribuiu G. Frege (1848-1925). Ao se perguntar pelo sentido das idéias que os homens têm a respeito do mundo e da mente humana, Frege vai colocar no centro da atividade filosófica questões sobre a linguagem. Tendo em vista eliminar a influência que as palavras da linguagem ordinária possam ter sobre a filosofia, ele vai construir uma ideografia, uma linguagem formal. Com esse procedimento, questões sobre a linguagem ganham precedência sobre questões que versam sobre o quê e como podemos conhecer. Vejamos o que Frege diz a respeito da tarefa da filosofia.

Se uma das tarefas da filosofia é derrubar a dominação da palavra sobre o espírito humano, ao desnudar os equívocos que, através do uso da linguagem com freqüência e quase que inevitavelmente surgem com respeito às relações entre os conceitos, o liberar o pensamento daquilo que apenas por meio das expressões da linguagem ordinária, constituídas como são, sobrecarregam-na, então, minha ideografia, desenvolvida adiante, para esses propósitos, pode tornar-se um instrumento útil para o filósofo. Certamente, ela não conseguiria reproduzir idéias numa forma pura, e isso provavelmente não pode deixar de ser assim, pois as idéias são representadas por meios concretos, mas, por um lado, podemos restringir as discrepâncias àquelas que são inevitáveis e inofensivas e, por outro, o fato de elas serem de um tipo completamente diferente daquelas peculiares à linguagem ordinária já dá proteção contra a influência específica que os meios particulares de expressão possam exercer.

(G. Frege, ‘Begriffsschrift’, in From Frege to Gödel, Cambridge/Londres, Harvard University Press, 1981, p. 7)

No entanto, a linguagem torna-se uma preocupação filosófica por excelência com dois filósofos ingleses, G. E. Moore (1873-1958) e B. Russell (1872-1970). Esses filósofos têm em comum a crítica à postura idealista vigente, nesse momento, na Inglaterra. Contra o idealismo, Moore reafirma a existência de um mundo físico, independente da mente humana, que contém uma série de objetos individualizados. Para Moore, se não podemos questionar a crença na existência do mundo, podemos, no entanto, questionar a interpretação segundo a qual a crença no mundo é explicitada. A tarefa do filósofo consiste, portanto, em analisar, em interpretar e dar sentido à linguagem na qual essas crenças são explicitadas.

Russell também não duvida da existência de um mundo exterior e da pluralidade de elementos nele existentes. Mas aceitar isso não significa que se possa justificar tudo o que é afirmado pelo senso comum. Assim sendo, Russell admite dois tipos de análise: uma lógica e outra metafísica. Todas as vezes em que a forma verbal da proposição se revelar obscura, torna-se necessário recorrer à análise lógica. Muitas vezes uma proposição parece simples e singular, como ‘O autor de Grande sertão: veredas era brasileiro’. Sua análise, porém, revelará que ela é complexa e geral. Ela envolve uma quantificação existencial. Ela pressupõe a afirmação de que existe um indivíduo e que esse indivíduo é escritor e é brasileiro. Reparem como Russell procede na análise da proposição de ‘O autor de Waverly era escocês’.

(...) a proposição ‘o autor de Waverly era escocês’ envolve:

1) ‘X escreveu Waverly’ não é sempre falsa;

2) ‘se X e Y escreveram Waverly, X e Y são idênticos’;

3) ‘se X escreveu Waverly, X era escocês’ é sempre verdadeira.

Essas três proposições, traduzidas para linguagem ordinária, dizem:

1) pelo menos uma pessoa escreveu Waverly;

2) na máximo uma pessoa escreveu Waverly;

3) quem quer que tenha escrito Waverly era escocês.

(B. Russell, Introdução à filosofia da matemática,

Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1974, p. 169)

E todas as vezes em que a proposição se referir a coisas, relações e características do mundo que sejam complexas, devem-se substituir os nomes das entidades complexas por nomes de entidades mais fundamentais. Trata-se da análise metafísica. Isso deverá ser feito de tal forma que o conteúdo da proposição não seja modificado. Faz-se uma reformulação da proposição, uma tradução, se assim podemos dizer. Russell chama as entidades complexas de ‘construções lógicas’. Os objetos materiais são dados sensíveis. Assim, podem-se substituir, numa proposição, os nomes dos objetos, isto é, das construções lógicas, por nomes dos dados dos sentidos, sem modificar aquilo que a proposição diz. Se é assim, os nomes dos objetos, para Russell, são supérfluos.

(....)" (ANTONIO REZENDE, In: Curso de Filosofia, 8ª edição, Jorge Zahar Editor/SEAF, 1998, p. 204/7)

O mesmo exercício de análise pode, deve e foi efetivado por ocasião da redação da exordial, restando em lógica jurídica paraconsistente a nulidade administrativa complexa que não liberta Seres Humanos presos além do tempo da Sentença, pois assim deveria ser em um Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto analítico, com as ilustrações supra, restam claras e precisas a plausibilidade e razoabilidade desta actio popularis, bastando render a expressão ‘raciocínio lógico jurídico paradoxal’ usada na exordial e Apelação para ‘raciocínio lógico jurídico paraconsistente’. Por "paraconsistências" são consideradas as situações de fato e/ou de direito nos quais a lógica tradicional se revela inadequada, conforme exemplificações de NEWTON C. A. DA COSTA, in verbis:

"3.3 LÓGICA PARACONSISTENTE MODELANDO O CONHECIMENTO HUMANO

No mundo em que vivemos é comum depararmos com inconsistências em nosso cotidiano. Para simplificar o entendimento da proposta e o significado da lógica paraconsistente, realçando a importância de sua aplicação em situações em que a lógica clássica é incapaz de gerar bons resultados, são discutidos nessa seção alguns exemplos.

Em todos os exemplos que serão apresentados, as situações de insonsistências e as indefinições estão presentes. O objetivo é mostrar que a lógica paraconsistente pode ser aplicada para modelar conhecimentos por meio de procura de evidências, de tal forma que os resultados obtidos são aproximados do raciocínio humano.

Exemplo 1: Numa reunião de condomínio, para decidir uma reforma no prédio, nem sempre as opiniões dos condôminos são unânimes. Se sempre houvesse unanimidade, isso facilitaria muito a decisão do síndico. Alguns querem a reforma, outras não, gerando contradições. Outros nem mesmo têm opinião formada, gerando indefinições. A análise detalhada de todas as opiniões, contraditórias, indefinidas, contra e a favor, pode originar buscas de outras informações para gerar uma decisão de aceitação ou não da reforma do prédio. A decisão tomada vai ser baseada nas evidências trazidas pelas diferentes opiniões.

Exemplo 2: Um administrador, chefe de uma equipe, que tem a missão de promover um de seus funcionários, deve avaliar várias informações antes de deferir o pedido. As informações provavelmente virão de várias fontes: departamento pessoal, chefia direta, colegas de trabalho etc. É de se prever que essas informações vindas de várias fontes podem ser conflitantes, imprecisas, totalmente favoráveis ou ainda totalmente contrárias. Compete ao administrador a análise dessas múltiplas informações para tomar uma decisão de deferimento ou indeferimento. Com todas as informações o administrador pode ainda considerar as informações insuficientes ou então totalmente contraditórias; nesse caso, novas informações deverão ser buscadas.

Como foi visto nos dois exemplos anteriores, a principal característica do comportamento humano é tomar decisões conforme os estímulos recebidos provenientes das variações de seu meio ambiente. Na realidade, as variações das condições ambientais são muitas e, às vezes, inesperadas, resultando em estímulos quase sempre contraditórios. Em face disso, é necessária a utilização de uma lógica que contemple todas essas variações e não apenas duas, como faz a lógica tradicional ou clássica. Portanto, fica claro que há algumas situações em que a lógica clássica é incapaz de tratar adequadamente os sinais lógicos envolvidos. É nesses casos que os circuitos e sistemas computacionais lógicos, que utilizam a lógica binária, ficam impossibilitados de qualquer ação e não podem ser aplicados. Por conseguinte, necessitamos buscar sistemas lógicos em que se permita manipular diretamente toda essa faixa de informações e assim descreva não um mundo binário, mas real.

Exemplo 3: Um operário que atravessa uma sala para realizar determinado serviço em uma indústria pode ter seus óculos inesperadamente embaçados pela poluição ou pelo vapor. Sua atitude mais provável é parar e fazer a limpeza em suas lentes para depois seguir em frente. Esse é um caso típico de indefinição nas informações. O operário foi impedido de avançar por falta de informações oriundas de seus sensores da visão sobre o ambiente. Por outro lado, o operário pode, ao atravessar a sala na obscuridade, deparar com uma porta de vidro que emita reflexo da luz ambiental, confundindo sua passagem pelo ambiente. Esse é um caso típico de inconsistência, porque as informações foram detectadas por seus sensores da visão com duplo sentido. O comportamento normal do operário é parar, olhar mais atentamente. Caso seja necessário, deve modificar o ângulo de visão, deslocando-se de lado para diminuir o efeito reflexivo; somente quando tiver certeza, vai desviar da porta de vidro e seguir em frente.

Exemplo 4: Um quarto exemplo em que aparecem situações contraditórias e indeterminadas pode ser descrito do seguinte modo:

Uma pessoa que está prestes a atravessar uma região pantanosa recebe uma informação visual de que o solo é firme. Essa informação tem como base a aparência da vegetação rasteira a sua frente. Essa informação, vinda de seus sensores da visão, dá um grau de crença elevado à afirmativa: "pode pisar o solo sem perigo". Não obstante, com o auxílio de um pequeno galho de árvore, testa a dureza do solo e verifica que o mesmo não é tão firme como parecia.

Nesse exemplo, o teste com os sensores do tato indicou um grau de crença menor do que o obtido pelos sensores da visão. Podemos atribuir arbitrariamente um valor médio de grau de crença da afirmativa: "pode pisar o solo sem perigo".

Essas duas informações constituem um grau de conflito que faria a pessoa ficar com certa dúvida, quanto à decisão de avançar ou não. A atitude mais óbvia a tomar é procurar novas informações ou evidências que podem aumentar ou diminuir o valor do grau de crença que foi atribuído às duas primeiras medições. A procura de novas evidências, como efetuar novos testes com o galho, jogar uma pedra etc., vai fazer variar o valor do grau de credibilidade. Percebendo que as informações ainda não são suficientes, portanto consideradas indefinidas, é provável que essa pessoa vá avançar com cautela e fazer novas medições, buscando outras evidências que a ajudem na tomada de decisão. A conclusão dessas novas medições pode ser um aumento no valor do grau de credibilidade para 100%, o que faria avançar com toda confiança, sem nenhum temor. Por outro lado, a conclusão pode ser uma diminuição no valor do grau de credibilidade, obrigando-a a procurar outro caminho.

A lógica paraconsistente pode modelar o comportamento humano apresentado nesses exemplos e assim ser aplicada em sistemas de controle, porque se apresenta mais completa e mais adequada para tratar situações reais, com possibilidades de, além de tratar inconsistências, também contemplar a indefinição."

(in Lógica Paraconsistente Aplicada, em co-autoria de JAIR MINORO ABE, JOÃO I. DA SILVA, AFRÂNIO CARLOS MUROLO e CASEMIRO FERNANDO S. LEITE, Atlas, 1999, p. 37/9)

A lógica paraconsistente supra exemplificada é muito importante para o oportuno e conveniente desenvolvimento do Direito, conforme ensina CLAUDIA MARIA BARBOSA, in verbis:

"[5] A contribuição da lógica paraconsistente

A lógica deôntica é uma das muitas lógicas desenvolvidas a partir da lógica clássica, sendo considerada uma lógica complementar a esta. De um lado, porque observa as principais regras de inferência que caracterizam a lógica clássica, quais sejam, as chamadas Leis do Pensamento; de outro lado, porque os operadores de que se utilizam (obrigatório, proibido, permitido), permitem uma maior capacidade de expressão do que aqueles baseados unicamente na lógica tradicional.

As lógicas complementares alargam o âmbito de aplicação da lógica clássica. Os operadores que utilizam modificam o aparato lingüístico sob o ponto de vista sintático, embora não alterem nada de essencial do ponto de vista semântico.

Também neste âmbito, as modificações são suplementares e visam tão somente a maior adequação às relações sintáticas expressas pelos novos operadores.

Ao lado dos sistemas lógicos complementares à lógica clássica, há os chamados sistemas divergentes, rivais daquela, como aqueles denominados sistemas lógicos paraconsistentes, os quais tem sido desenvolvidos com o propósito de substituir os sistemas clássicos em determinadas situações, onde a lógica clássica tem se mostrado insuficiente.

Algumas dessas lógicas paraconsistentes - as mais conhecidas - distinguem-se da lógica clássica exatamente por derrogarem pelo menos um de seus princípio (sic), os quais indicou-se anteriormente por Leis de Pensamento.

A primeira destas lógicas heterodoxas denomina-se lógica não-reflexiva, e caracteriza-se por colocar em cheque o princípio da identidade.

Uma segunda lógica é a denominada paracompleta; nesta, a lei do terceiro excluído é derrogada, admitindo-se Conseqüentemente que duas proposições contraditórias, A e ~A sejam ambas falsas.

Ao lado destes sistemas paracompletos, há as lógicas paraconsistentes, cuja base é a derrogação do princípio da contradição.

Um sistema lógico estruturado conforme o princípio da contradição afirma de duas proposições A e ~A que, se uma for verdadeira, a outra é falsa.

No esquema exposto por Newton DA COSTA, uma teoria dedutiva T, cuja linguagem contenha um símbolo para a negação, é dita inconsistente se o conjunto de seus teoremas contém ao menos dois deles, um dos quais sendo a negação do outro. Sendo A e ~A tais teoremas, ambos integrantes de um mesmo sistema lógico, apresenta uma contradição. A teoria T chama-se trivial (ou supercompleta) se todas as proposições formuláveis em sua linguagem forem teoremas de T, ou dito de outra forma, se tudo o que puder ser expresso na linguagem T puder ser provado em T.

Inconsistência e trivialidade não significam a mesma coisa, mas no âmbito da lógica clássica são considerados conceitos equivalentes, uma vez que um deles implica o outro.

Assim a presença de uma contradição trivializa T, ou seja, se em um único sistema de lógica clássica forem derivadas duas sentenças, uma das quais sendo a negação da outra, então qualquer sentença exprimível na linguagem T pode ser derivada em T.

Dito de outra forma, nas lógicas ditas clássicas, em geral, é válido o princípio ex falso sequitur quod libet, formalmente expresso pela fórmula (A & ~A) - > B, que indica que "de uma falsidade, tudo se segue". Ou, tomando-se em consideração a idéia da contradição, "de uma contradição, qualquer coisa pode ser concluída".

Se tudo se pode concluir de uma falsidade ou de uma contradição, pode-se provar qualquer coisa, e será impossível distinguir o falso do verdadeiro, de forma que, desde o ponto de vista da lógica clássica, um sistema trivial é inútil, porque se a partir dele tudo se pode afirmar, ele não acrescenta nenhuma informação.

As lógicas paraconsistentes buscam obstaculizar essa implicação entre inconsistência e trivialidade, de forma que em um sistema se possam admitir determinadas contradições sem que com isso se "contamine" o sistema como um todo. São portanto sistemas lógicos capazes de fundamentar teorias inconsistentes e não triviais. Assim, admite-se proposições contraditórias sem que por isso o sistema perca seu valor científico.

Em um artigo denominado Normative Logics, Morality and Law, Leila Zardo PUGA, Newton da COSTA e Roberto VERNENGO partem de duas constatações que por si só, defendem eles, justificam a utilização de sistemas lógicos paraconsistentes no direito.

De um lado, entendem que em sua grande maioria, os corpus normativos legais, que compõem em grande parte o arcabouço legislativo de direito contemporâneo, contêm normas que implicam contradições; por exemplo, uma mesma ação é regulada como obrigatória e, ao mesmo tempo, como proibida. Ou então, em certas circunstâncias, uma mesma ação é de um lado caracterizada como obrigatória e ao mesmo tempo como não devida (proibida).

Estas circunstâncias ficam mais evidentes quando está-se frente a dilemas deônticos, caracterizados quando uma pessoa deve cumprir uma ação que ela, ao mesmo tempo, não está obrigada a desempenhar.

Assim, por exemplo, no caso de aborto espontâneo, particularmente quando o feto e a mãe competem pela sobrevivência, isto é, quando apenas um deles poderá sobreviver. Está-se diante de um dilema moral, e estes normalmente ensejam conflitos normativos que um ordenamento comumente não consegue resolver.

A segunda aplicação vislumbrada pelos autores citados diz respeito às lacunas legais e aos muitos conceitos vagos e ambíguos de que se utiliza o direito - e não só ele - na definição de seus conceitos legais.

Em diferentes circunstâncias em que se utiliza um mesmo signo lingüístico, este adquire diferentes conotações em função de se (sic) uso, das situações em que é definido, e assim por diante. Sistemas formalizados neste caso apresentariam a vantagem de contar com a precisão dos componentes do sistema e dos operadores, formalmente traduzidos, com a vantagem de que, no sistema lógico paraconsistente, a admissão de uma contradição não faz desmoronar todo o sistema.

Como já foi explicitado, a lógica clássica, e mesmo a lógica deôntica complementar a esta, não admite contradições sem que com isso todo o sistema entre em colapso. Dito de outra forma, a lógica clássica não abarca e tampouco admite contradições que, consideram estes autores, são imanentes entre outras, ao direito e à moral.

Nesse contexto é que se considera a utilidade das lógicas paraconsistentes, e especialmente no caso do direito, a lógica deôntica paraconsistente, que, embora ainda formalmente incipiente, busca justamente a elaboração de sistemas lógicos que admitam contradições, sem que dessa assunção decorra a trivialidade do sistema como um todo.

De fato, hoje admite-se que o direito abarca contradições, mas, de formas variadas, diversos pensadores vem relativizando estes "problemas" utilizando-se de conceitos variáveis de sistema, de unidade do ordenamento, e da própria completude do direito.

Admite-se que a coerência é propriedade não do ordenamento como um todo, mas de suas diversas partes (Tércio FERRAZ JR. Norberto BOBBIO).

Nesse contexto, o desenvolvimento de sistemas deônticos paraconsistentes pode ser de grande utilidade porque através da formalização torna-se mais fácil identificar a existência de paradoxos e enunciados que implicam sentenças contraditórias, as quais a utilização da linguagem natural, por suas limitações, não revela.

Observa-se que se fala em pluralidade de sistemas lógicos paraconsistentes. Isto porque, como não há no estudo da lógica deôntica um único sistema capaz de explicar e formalizar todo o direito, da mesma forma ocorre com as lógicas paraconsistentes. Não há apenas uma, e tampouco as lógicas paracompletas e não-reflexivas expressam a totalidade das lógicas heterodoxas.

A discussão quanto ao objeto, à função e distinção das normas e das proposições normativas, suas estrutura, a possibilidade de aplicação dos princípio (sic) lógicos às normas, e sua adequada formalização, também estão presentes quando se tem em conta a perspectiva da formalização de um sistema lógico paraconsistente.

Também aqui se discutem os operadores que compõe a lógica deôntica, e a perspectiva de uma lógica multivalorativa que proponha outros valores além do verdadeiro ou falso, ou mesmo do válido ou inválido, conforme o caso.

A premissa que une as diversas propostas que já apareceram e que continuam a surgir neste campo, é a possibilidade de construção de uma lógica onde admita-se a existência de contradição sem que com isso o sistema perca sua utilidade. Dito de outra forma, uma lógica inconsistente, mas não trivial.

É nesse sentido que pode estar se abrindo um novo caminho para que (sic) o direito, mesmo com contradições e lacunas que traduzem a própria complexidade das relações sociais. Nessa perspectiva, a lógica deôntica paraconsistente passa a ser instrumento importantíssimo de análise do próprio direito e da ciência jurídica."

(in PARADOXOS DA AUTO-OBSERVAÇÃO - PERCURSOS DA TEORIA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA, organizado por LEONEL SEVERO ROCHA, JM Editora, Curitiba, 1997, p. 89/92)

A lógica paraconsistente, na teoria e na prática supra exemplificadas, repercute na metodologia científica também do Direito Administrativo, ao conferir estruturas lógicas novas aos seus métodos, conforme ensina JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, in verbis:

"Capítulo XV
METODOLOGIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO

127. O problema do método

O direito administrativo utiliza-se de método próprio, para a estrutura de seus institutos.

Método é o caminho que o espírito humano percorre para atingir o objeto. É o conjunto de regras que disciplinam a razão, orientando-a para o conhecimento da verdade.

O procedimento metódico, que se contrapõe ao casual, conduz o sujeito cognoscente ao objetivo visado, evitando-se desse modo a tentativa assistemática, o caminho inadequado, que acarreta inútil perda de tempo e afastamento progressivo da verdade, podendo ser o método comparado a um mapa preciso que indica a verdadeira rota, sem divagações, levando dentro de pouco à identificação dos termos do binômio sujeito-objeto, ao contrário da indefinida informação oral, dada por um leigo, que apenas por coincidência guiará o caminhante ao ponto exato que pretende alcançar.

Cada ciência pesquisa as características de determinado tipo de objeto (aspecto formal), havendo muitas ciências que consideram o mesmo objeto (aspecto material), sendo o primeiro aspecto - o formal - que torna diferente uma ciência de outra.

Cabe à metodologia investigar e descobrir qual dentre os vários processos racionais é peculiar a uma dada ciência. Assim, Metodologia é a ciência que descobre o método com que cada ciência deve trabalhar para atingir seu objeto. É a ciência da seleção do método adequado.

Assim como nas ciências físico-naturais há um caminho que se adapta aos objetos do mundo físico (objetos naturais), também nas ciências jurídicas e sociais existem categorias especiais de métodos que se flexionam ao mundo cultural em que outros objetos se movimentam. E, do mesmo modo que, na maioria das vezes, não é indiferente a escolha de via terrestre, marítima ou aérea, para chegar a determinado tempo, inacessível, a uma das vias indicadas, no mundo das ciências é preciso também descobrir quais as rotas mais compatíveis para a apreensão dos diferentes objetos.

Que tipo de objeto é o direito? Que método ou caminho deve ser empregado para captá-lo do mundo mais completo possível?

Tais indagações competem à filosofia do direito, que auxilia os diversos ramos do direito, na perseguição exata e completa de seus respectivos objetos.

Depende de duas circunstâncias a eleição do método em questão: do fim que se pretende alcançar e da natureza da disciplina a que deve aplicar-se.

Teoricamente falando e levando-se em consideração os diferentes momentos do trabalho científico, admitem os métodos, em geral, uma tríplice classificação: a) métodos de pesquisa; b) métodos de sistematização; c) métodos de exposição.

Os métodos de pesquisa dirigem-se aos objetos para depois receber formalização em juízos certos ou prováveis.

Os métodos de sistematização e os de exposição trabalham com os resultados alcançados pelos primeiros, contribuindo para divulgá-los.

Há muitas outras espécies de métodos, como os discursivos ou de inferência mediata e os intuitivos ou de inferência imediata.

Consiste o método discursivo numa série de esforços sucessivos em torno do objeto para envolvê-lo, mediante uma série de proposições que se encadeiam, progressivamente.

Consiste o método intuitivo em operação integral, única e indivisa do espírito, que se projeta sobre o objeto e o domina, abrangendo-o numa panvisão, sem que nada - nenhuma proposição, nenhum juízo - se interponha entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível.

O método discursivo compreende não só a dedução, que parte de uma verdade ou princípio geral e chega a uma verdade individual e limitada, havendo, pois, uma espécie de descida entre um princípio e uma conclusão verdadeira, como também a indução, que segue o caminho inverso, partindo do caso particular para consubstanciar-se em um princípio geral. Divide-se a indução em aristotélica e baconiana.

Os métodos de inferência imediata estão reunidos sob o título genérico de métodos intuitivos.

Intuição, em sentido lato, é a "visão direta do objeto pelo sujeito", é o "contato integral e imediato dos dois termos do binômio sujeito-objeto", a tal ponto que, nada se colocando de permeio entre ambos, é possível a mais perfeita identificação de quem procura com o objetivo procurado.

A intuição pode ser sensível e espiritual, compreendendo esta última, a intelectual, a emotiva e a volitiva. Há ainda várias outras modalidades de intuições: a de Bergson, a de Husserl.

Por esta simples apresentação não é difícil concluir como é complexo, em filosofia, o problema do método e da metodologia."

(in CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO - DE ACORDO COM A CONSTITUIÇÃO VIGENTE, Forense, 15ª ed. p. 175/7)

A administração da Justiça à nulidade administrativa complexa que representa a manutenção de Seres Humanos presos além do tempo da Sentença passa, assim, pelo contexto da Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial, em doutrina de FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, in verbis:

"Vivemos hoje nem cenário global que traz novos desafios às sociedades e aos Estados nacionais. Não é nenhuma novidade dizer que estamos numa fase de reorganização tanto do sistema econômico, como também do próprio sistema político mundial. Como conseqüência desse fenômeno, impõe-se a reorganização dos Estados nacionais, para que eles possam fazer frente a esses desafios que estão presentes na conjuntura atual.

É imperativo fazer uma reflexão a um tempo realista e criativa sobre os riscos e as oportunidades do processo de globalização, pois somente assim será possível transformar o Estado de tal maneira que ele se adapte às novas demandas do mundo contemporâneo. É esse - creio - o objetivo precípuo deste seminário. Trata-se de exercício do qual nenhum governo deve - e nem pode - furtar-se, sob pena de comprometer as perspectivas nacionais de desenvolvimento.

Reformar o Estado não significa desmantelá-lo. Pelo contrário, a reforma jamais poderia significar uma desorganização do sistema administrativo e do sistema político de decisões e, muito menos, é claro, levar à diminuição da capacidade regulatória do Estado, ou ainda, à diminuição do seu poder de liderar o processo de mudanças, definindo o seu rumo.

Mudar o Estado significa, antes de tudo, abandonar visões do passado de um Estado assistencialista e paternalista, de um Estado que, por força de circunstâncias, concentrava-se em larga medida na ação direta para a produção de bens e de serviços. Hoje, todos sabemos que a produção de bens e serviços pode e deve ser transferida à sociedade, à iniciativa privada, com grande eficiência e com menor custo para o consumidor.

Insisto, assim, em um ponto: esta visão de um Estado que se adapta para poder enfrentar os desafios de um mundo contemporâneo não pode ser confundida nem com a inexistência de um Estado competente, eficaz, capaz de dar rumo à sociedade ou, pelo menos, de acolher aqueles rumos que a sociedade propõe e que requerem uma ação administrativa e política mais conseqüente, nem tampouco significar a inércia diante de um aparelho estatal construído em outro momento da história de cada um dos nossos países que se concentrou seja no corporativismo e no assistencialismo, seja na produção direta de bens e de serviços.

Não há dúvida de que, nos dias de hoje, além desse papel de iluminar os caminhos nacionais e, de certa maneira, de apontar metas que sejam compatíveis com os desejos da sociedade, o Estado deve também concentrar-se na prestação de serviços básicos à população - educação, saúde, segurança, saneamento, entre outros.

Mas, para bem realizar essa tarefa - que é ingente e difícil -, para efetivamente ser capaz de atender às demandas crescentes da sociedade, é preciso que o Estado de reorganize e para isso é necessário adotar critérios de gestão capazes de reduzir custos, buscar maior articulação com a sociedade, definir prioridades democraticamente e cobrar resultados.

Muitos confundem a reforma do aparelho estatal com um mero exercício de aprovação pelo Congresso Nacional de diplomas legislativos que desenhem o Estado com uma face mais competente e mais atuante. É claro que a participação do Congresso na redefinição do papel do Estado é essencial, até porque muitas dessas mudanças exigem emendas constitucionais. Mas o verdadeiro processo de redefinição do Estado para que ele possa realmente atender os seus objetivos contemporâneos é um processo, não um ato. Envolve toda uma mudança de mentalidade; algo que é muito mais profundo do que se imagina, porque implica efetivamente a alteração de práticas que estão enraizadas nas nossas sociedades. E o que é ainda mais difícil de mudar: práticas enraizadas que cristalizam interesses concretos.

Faço aqui uma ressalva: ao dizer que interesses se cristalizaram, não estou qualificando este fato, em si mesmo, de negativo. Mas, quando muda uma conjuntura e esses interesses persistem e não são mais adequados para responder os desafios da nova época, eles passam a ter um papel politicamente negativo.

Muitas vezes, são interesses que podem ser até altruístas ou legítimos, vistos de certa perspectiva. Mas quando observamos esses interesses particulares de uma perspectiva mais ampla, do conjunto da sociedade, vemos que eles não mais se justificam.

Às vésperas de minha posse, realizamos um grande seminário internacional, aqui mesmo no Itamarati. Recordo-me de uma discussão a respeito do papel das organizações não-governamentais e do Estado. No início, essa relação ONG-Estado era marcada por uma espécie de distanciamento, até mesmo de antagonismo. Havia ataques de parte a parte e isso levava o aparelho do Estado a ficar cada vez mais voltado para si mesmo, no intuito de defender a sua visão de como conduzir a coisa pública. Progressivamente, isso foi mudando. Hoje, para usar a expressão de Manuel Castells, sociólogo espanhol que eu prezo muito, as organizações verdadeiramente eficientes deixaram de ser "não-governamentais": passaram a ser "neogovernamentais". Esta é uma realidade, uma forma de interação que tem que ser absorvida tanto pelas ONGs quanto pelo Estado.

O Estado tem que se abrir a certas pressões da sociedade, mas a sociedade também tem que aprender a dialogar com o Estado, de uma maneira que seja adequada aos objetivos da população. Infelizmente no Brasil, uma parcela pequena, é verdade, da população não quer o diálogo com o Estado. Quer pura e simplesmente sua destruição; não admite reconhecer a legitimidade dos governos quando eles são legítimos e democráticos.

Para avançar nessa interação entre Estado e sociedade é preciso liderança, é necessário haver um processo progressivo de convencimento. Estou seguro de que cada um dos participantes deste seminário tem experiências interessantes que confirmam esse enorme esforço contemporâneo de reconstrução do Estado, buscando criar novos canais que permitam que a sociedade e a burocracia possam, articuladamente, dialogar; que permitam que o poder político possa tomar as decisões pertinentes. Porque numa democracia, em última análise, o poder legítimo é o poder legitimado pelo voto, pela cidadania. Assim, nem a burocracia em si mesma, nem os grupos da sociedade civil que não passaram pelo teste das urnas têm legitimidade para liderar a mudança. Eles têm, isso sim, o dever de preparar a discussão, de pressionar os governantes. Mas a legitimidade da decisão tem que caber àqueles que são os detentores da vontade popular. Esta é a essência da democracia; esta é a essência do republicanismo.

Isso significa que nós temos que preparar a nossa administração para a superação dos modelos burocráticos do passado, de forma a incorporar técnicas gerenciais que introduzam na cultura do trabalho público as noções indispensáveis de qualidade, produtividade, resultados, responsabilidade dos funcionários, entre outras.

Estamos vivendo um momento de transição de um modelo de administração que foi inicialmente assistencialista e patrimonialista (que mais tarde deu um passo adiante, burocratizando-se, no sentido weberiano da palavra) para um novo modelo, no qual não basta mais a existência de uma burocracia competente na definição dos meios para atingir fins. Agora, o que se requer é algo muito mais profundo: um aparelho do Estado que, além de eficiente, esteja orientado por valores gerados pela própria sociedade. Um aparelho de Estado capaz de comunicar-se com o público de forma desimpedida. Essa passagem é um dos grandes desafios do mundo contemporâneo. É uma transição à qual todos devemos nos dedicar, a fim de reorganizar o aparelho de Estado.

E essa transição não será possível nem viável sem a participação dos funcionários públicos. Erram aqueles que identificam no funcionalismo público um foco de resistência à mudança. Eles não podem ser vistos como repositório do velho, do antigo, do antiquado, do arcaico. Reconheço com satisfação que a burocracia estatal tem um número expressivo de núcleos de competência e excelência.

É necessário que esses núcleos ganhem força, para que tenham a capacidade de contagiar o conjunto da administração. Porque a reforma apenas terá êxito se for sustentada pelas lideranças do serviço público. Não digo as lideranças sindicais que, infelizmente, estão atreladas às formas mais nocivas de corporativismo, mas sim as lideranças de mentalidade que querem renover-se, que têm entusiasmo pela função pública, que têm o sentido de missão, de espírito público.

A reforma tem que ganhar o apoio do funcionalismo. É preciso que o setor que administra seja parte ativa nessa transformação. E que, como parte ativa desse processo, os próprios funcionários convençam-se de que é preciso deixar de lado os resquícios do patrimonialismo, da troca de favores, das vantagens corporativistas, do servilismo clientelista ao poder político, como ocorre em certas áreas da administração pública.

Precisamos acabar com a noção de que ser funcionário é ser privilegiado. O privilégio é servir ao público, à cidadania. E, servindo adequadamente ao público, ser compensado pela admiração por parte da sociedade. E essa admiração não pode se esgotar em belas palavras. Deve significar também a valorização das carreiras do serviço público, melhor remuneração. Mas, como tenho insistido, nada disso se conquista do dia para a noite. E tampouco podemos dar guarida à manifestação de interesses corporativos, que não merecem qualquer apoio da população.

A melhoria das condições de trabalho do funcionalismo crescerá com a estabilização da economia, não com a demagogia daqueles que sonham com a volta da indexação salarial, que só realimenta a inflação e penaliza os mais pobres. Viver numa economia estabilizada requer uma outra mentalidade, na qual obviamente os aumentos têm que estar condicionados à disponibilidade efetiva do orçamento e ao aumento da produtividade. Não há outra maneira de um país crescer senão aumentando a sua produtividade, a sua riqueza e, ai sim, simultaneamente, fazendo com que aqueles que são partícipes da construção da nação possam usufruir de parte crescente desse benefício, sem prejuízo, obviamente, das taxas necessárias de investimento.

Temos, portanto, um desafio tipicamente iluminista, no sentido que o termo tem desde o século XVIII: ou se introduzem graus de racionalidade no processo das reformas e esta racionalidade passa a ser sentida pelos próprios partícipes, que são os funcionários; ou então a reforma fracassa, porque ela vai ser obstaculizada por pessoas que pensam que o governo é capaz de fazer milagres, sobretudo no que diz respeito à remuneração. Se o governo for sério, não fará milagres, nem enganará ninguém.

Temos, assim, outra vez uma batalha, digamos, teórico-prática, político-ideológica de convencimento e de reorganização das visões de mundo. É indiscutível, porém, que é preciso haver reformas. É indiscutível que precisamos revalorizar o trabalho do funcionário público, a própria ação do Estado.

Uma coisa é certa: precisamos de uma reforma profunda do aparelho do Estado, pois de outra forma não estaremos à altura de enfrentar esse gigantesco desafio."

(in REFORMA DO ESTADO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL, 2ª ed. Fundação Getúlio Vargas Editora, pgs. 15/19, negrito meu)

Para concluir esta abordagem terminológica sobre o método e a evolução científica, mister manter o espírito jurídico aberto para novas percepções fenomenológicas, pois "O método é tão infinito quanto a própria ciência" como ensina EUGEN EHRLICH (cf. FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA DO DIREITO, Unb, 1986, p. 388, trad. RENÉ ERNANI GERTZ), e "Talvez seria melhor limitarmo-nos a conceber esta maneira particular do pensamento jurídico como um estilo deste pensamento, que constitui uma individualidade cultural da caráter próprio. Este estilo foi se formando no curso de séculos e foi acentuado, às vezes mais, às vezes menos. Com o termo "estilo" já estaria dito que não se pode separar este caráter do conteúdo, do pensamento, que é efetivamente a maneira na qual este pensamento é exercitado em nossa comunidade cultural. Entra-se neste estilo como que crescendo para dentro dele e a formação jurídica é um conhecido testemunho como sucede este crescer para dentro. Este estilo se situaria numa íntima relação de troca com as correntes fundamentais políticas, espirituais e científicas de cada época, incorporando e elaborando os momentos mais fortes destas correntes fundamentais. Este estilo não seria, portanto, algo apriórico, mas parte da cultura global de um contexto jurídico, assim como o direito mesmo também é apenas parte desta cultura. Pode-se, portanto, aceitar sem mais que em outros contextos jurídicos se formou um outro estilo de trabalho jurídico e de pensamento jurídico, sem que, no entanto, se tenha que tentar relacionar os estilos ou harmonizá-los de alguma maneira entre si. Tais tentativas também não se fariam em relação com a história de povos individuais e seus contextos culturais.", como ensina JAN SCHAPP (cf. PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DA METODOLOGIA JURÍDICA, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1985, trad. ERNILDO STEIN).

Do ilustrado, requeiro o regular andamento do popular apelo.

São Paulo, 18 de setembro de 2000.
179º da Independência e 112º da República.

 

 

Carlos Perin Filho
OAB-SP 109.649

 

E.T.:

1º) Nome e assinaturas não conferem frente aos documentos apresentados com exordial em função da reconfiguração de direito em andamento, nos termos da Ação Popular nº 98.0050468-0, 11ª Vara Federal de São Paulo, ora em grau de Apelação, sob a Vossa relatoria, em autos sob nº 2000.03.99.030541-5.

 

 


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