Apelação na Ação Popular
da Greve do Judiciário Paulista

Home Page

Excelentíssimo(a) Senhor(a) Doutor(a) Juiz(a) Federal da 21ª Vara da Seção da Justiça Federal de São Paulo

 

(JFSP 19/11/2004.000391650-1)

 

Autos nº 2004.61.00.027344-8
Ação Popular
Cidadão Apelante: CARLOS PERIN FILHO
Rés Apeladas: UNIÃO FEDERAL e OUTRAS

CARLOS PERIN FILHO, residente na Internet, em www.carlosperinfilho.net (sinta-se livre para navegar), nos autos da actio popularis supra epigrafada, venho, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com base nos artigos 513 e seguintes do Código de Processo Civil, APELAR pela reforma da r. Sentença de fls. 34-36, conforme as RAZÕES que seguem, cuja juntada e remessa ao Tribunal ad quem ora requeiro.

Vale lembrar que este popular Recurso é imune ao preparo, nos termos constitucionais.

São Paulo, 19 de novembro de 2004

 

Carlos Perin Filho
OAB-SP 109.649

 

 

Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região

 

Reparo merece o r. decisum do juízo singular, pois não logrou acompanhar como de costume o caminho do melhor Direito.

A parte final da r. Sentença está assim redigido, in verbis:

“É o relato. Decido.

A Ação Popular é meio constitucional posto à disposição do (sic) qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos, ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos, conforme dispõe o artigo 1º da lei nº 4717/65, reguladora da ação popular.

Assim, observa-se que o objeto da ação popular é o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público.

No caso vertente, pretende o autor popular ver declarado o direito de os cidadãos receberem os serviços administrativos e/ou jurisdicionais próprios do Poder Judiciário Estadual no Estado de São Paulo, que foram suspensos em razão de greve, bem como em ver regulamentado, por parte dos Poderes Legislativo Federal e/ou Estadual, o direito de greve. Requer ainda sejam as rés condenadas a indenizar e/ou compensar os danos materiais e/ou morais decorrentes dos eventos que implicaram a total ou partição não prestação dos serviços.

Para que ocorra a prestação da tutela jurisdicional requerida pelo autor, necessário se faz a presença das condições da ação que são interesse processual, legitimidade das partes e possibilidade jurídica do pedido.

O interesse processual está presente sempre que a parte tenha necessidade de exercer o direito de ação para alcançar o resultado que pretende e que o faça pelo meio adequado.

Assim, não sendo a ação popular o meio adequado para o exercício do direito invocado nesta demanda, por não haver ofensa a patrimônio público, assim entendido como os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético ou histórico (artigo 1º, § 1º, da Lei nº 4.717/65), verifico a ausência de interesse de agir para o prosseguimento do feito.

ISTO POSTO e considerando tudo mais que dos autos consta, indefiro liminarmente a petição inicial, por falta de interesse processual, nos termos do artigo 295, III do Código de Processo Civil.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.

P. R. I.

São Paulo, 13 de outubro de 2004.

 

Alessandra de Medeiros Nogueira Reis
Juíza Federal Substituta

Data máxima vênia, correção merece o r. decisum, pois o pedido nesta actio popularis é plenamente adequada ao fins que procura, como restará demonstrado neste apelo.

RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, ao doutrinar sobre a Ação Popular, ensina ser a compatibilidade da pretensão um importante elemento de aferição da própria (im)possibilidade jurídica do pedido, in verbis:

“Às vezes, é certo, a pretensão não encontra, exatamente, guarida em norma legal, mas é compatível como o sistema, cabendo lembrar que por ‘ordenamento jurídico’ não se entende apenas o arsenal normativo, mas todos os demais subsídios jurídicos que o integram: doutrina, jurisprudência, analogia, eqüidade, princípios gerais, regras de experiência. (p. 119)

(....)

A (im)possibilidade jurídica do pedido, portanto, enquanto condição impeditiva de conhecimento do mérito, deve ficar reservada para aquelas hipóteses em que evidentemente, aprioristicamente, à mera leitura da inicial já possa o julgador concluir que a pretensão não tem previsão sequer teórica no ordenamento ou, pior, que este a inibe expressamente. Assim pensamos, porque a cognição das condições da ação não envolve juízo de certeza, e sim de plausibilidade ou razoabilidade. (p. 121)

(In: AÇÃO POPULAR - PROTEÇÃO DO ERÁRIO, DO PATRIMÔNIO PÚBLICO, DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA, E DO MEIO AMBIENTE, 3ª ed., rev. e atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998)

No mesmo sentido, RICARDO DE BARROS LEONEL, ao elaborar Processo coletivo: evolução e perspectivas, evidencia que, in verbis:

5.5 Possibilidade jurídica do pedido

Como já anotado, a possibilidade jurídica do pedido deve ser compreendida no sentido negativo, como ausência de vedação no ordenamento da espécie de provimento que o autor pretende com a ação. Não pode ser contemplada no sentido positivo, como necessidade de expressa previsão da providência, sendo inviável exigir do legislador que estabeleça previamente, e de forma hipotética, pedidos em tese amoldáveis a todas as situações da vida. Havendo previsão (constitucional e infraconstitucional) da tutela dos interesses metaindividuais de forma exemplificativa, e sendo formulados pedidos não expressamente vedados (declaratórios, constitutivos, condenatórios, mandamentais etc.), não se pode acolher a alegação de que a demanda tenha sido aforada com base na eqüidade ou com objeto juridicamente impossível.

(....)”

(In: MANUAL DO PROCESSO COLETIVO - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 211)

Os detalhes técnicos que aparentemente tornam juridicamente impossível o processamento desta actio popularis serão tratados individualmente, acompanhando as paraconsistências (contradições não triviais) envolvidas.

Dispõe o artigo 47 do Código de Processo Civil, in verbis:

“Art. 47. Há litisconsorte necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinalar, sob pena de declarar extinto o processo.”

Neste sentido, distribuiu este Cidadão Apelante a exordial para conhecimento jurisdicional conjunto à Ação Civil Pública de autos nº 2004.61.00021599-0, bem como requereu Aditamento (prot. Nrº 2004.000360738-1) e peticionou esclarecendo sua inclemente posição frente a eventual desistência da OAB-SP e homologação judicial respectiva (prot. Nrº 2004.000380371-8).

Por não ter sido oportuna e adequadamente processada e conhecida a demanda em primeira instância restou em muito prejudicada a argumentação deste Cidadão - e a defesa dos interessas da Cidadania - no sentido de corrigir as omissões das Apeladas.

As regras constitucional e legal que garantem o devido processo para defesa dos direitos da Cidadania restaram prejudicadas na prestação jurisdicional monocrática, merecendo revisão por este Egrégio Tribunal, numa interpretação pluralista e procedimental da Constituição Federal, como ensina o professor titular de Direito Público e de Filosofia do Direito da Universidade da Augsburg-RFA, PETER HÄBERLE, na versão brasileira ministerial de GILMAR FERREIRA MENDES, in verbis:

I. Situação atual da teoria
Da interpretação constitucional

A teoria da interpretação constitucional tem colocado até aqui duas questões essenciais:

- a indagação sobre as tarefas e os objetivos da interpretação constitucional, e

- a indagação sobre os métodos (processo da interpretação constitucional) (regras de interpretação).

Não se conferiu até aqui maior significado à questão relativa ao contexto sistemático em que se coloca um terceiro (novo) problema relativo aos participantes da interpretação, questão que, cumpre ressaltar, provoca a práxis em geral. Uma análise genérica demonstra que existe um círculo muito amplo de participantes do processo de interpretação pluralista, processo este que se mostra muitas vezes difuso. Isso já seria razão suficiente para a doutrina tratar de maneira destacada esse tema, tendo em vista, especialmente, uma concepção teórica, científica e democrática. A teoria da interpretação constitucional esteve muito vinculada a um modelo de interpretação de uma ‘sociedade fechada’. Ela reduz, ainda, seu âmbito de investigação, na medida que se concentra, primariamente, na interpretação constitucional dos juízes e nos procedimentos formalizados.

Se se considera que uma teoria da interpretação constitucional deve encarar seriamente o tema ‘ Constituição e realidade constitucional’ - aqui se pensa na exigência de incorporação das ciências sociais e também nas teorias jurídico-funcionais, bem como nos métodos de interpretação voltados para atendimento do interesse público e do bem-estar geral -, então há de se perguntar, de forma mais decidida, sobre os agentes conformadores da ‘realidade constitucional’.

2. Novo questionamento e tese

Nesse sentido, permite-se colocar a questão sobre os participantes do processo da interpretação: de uma sociedade fechada dos intérpretes da Constituição para uma interpretação constitucional pela e para uma sociedade aberta (von der geschlossenen Gesellschaft der Verfassungsintepreten zur Verfassungsinterpretation durch und für die offene Gesellschaft).

Propõe-se, pois, a seguinte tese: no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição.

Interpretacão constitucional tem sido, até agora, conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os intérpretes jurídicos ‘vinculados às corporações’ (zünftmässige Interpreten) e aqueles participantes formais do processo constitucional. A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte dessa sociedade (... Weil Verfassungsinterpretation diese offene Gesellschaft immer von neuem mitkonstituiert und von ihr konstituiert wird). Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade.

(In: HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL - A SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO: CONTRIBUIÇÃO PARA A INTERPRETAÇÃO PLURALISTA E ‘PROCEDIMENTAL’ DA CONSTITUIÇÃO, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002 [reimpressão], p. 11-13)

Vale notar que a exordial não está apenas fundada na Lei nº 4.717/65, citada na r. Sentença para negar o pedido, mas na própria Constituição Cidadã, que garante, entre os direitos e deveres individuais e coletivos, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (artigo 5º) legitimando qualquer cidadão a propor actio popularis, visando anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando este Angélico Autor Popular, salvo comprovada má-fé deste Advogado do Diabo, livre de pagar custas judiciais e sucumbência (inciso LXXIII).

A questão da moralidade administrativa é particularmente relevante para o conhecimento jurisdicional oportuno e adequado do presente caso, porém nem foi citada na r. Sentença de fls. 34-36! Ora, é moralmente complicada a situação jurídica das Apeladas UNIÃO FEDERAL e ESTADO DE SÃO PAULO, pois deveriam (por suas expressões legislativas da soberania popular) legislar regulamentando o constitucional direito de greve da Cidadania Funcionário(a) Público(a) e não legislaram, omissão que colabora em todos aqueles problemas de fato e direito públicos e notórios, reportados inclusive nos autos nº 2004.61.00021599-0, bem como labora para os danos materiais e/ou morais da Cidadania (Não) Jurisdicionada!

Outro aspecto da r. Sentença a ser apelado é quanto à interpretação dada ao requisito da lesividade ao patrimônio público, pois é não apenas uma questão financeira pura e simples, de aferição por balanços de contabilidade ou planilhas de cálculo, mas sim em sentido amplo, como bem observa RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, in verbis:

“Nossa posição a respeito parte do princípio de que a lei não contém palavras supérfluas e o fato é que o texto constitucional não fala em ‘ilegalidade’ ou ‘ilegitimidade’, mas sim em ação popular que ‘vise a anular ato lesivo’. Quer dizer, a lesividade do ato há de ser, em princípio o leit motiv da ação, sua causa próxima mais evidente. Casos haverá (não serão a regra) em que tal seja a enormidade da lesão, que a ilegalidade virá por assim dizer ‘embutida’, presumida, ínsita na lesão mesma. Nesse sentido, José Afonso da Silva, em trabalho mais recente, escreve: ‘Na medida em que a Constituição amplia o âmbito da ação popular, a tendência é a de erigir a lesão, em si, à condição de motivo autônomo de nulidade do ato’. Hely Lopes Meirelles, a seu turno observa: ‘Na conceituação atual, lesivo é todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a Administração, assim como o que ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade. E essa lesão tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida, visto que a lei regulamentar estabelece casos de presunção de lesividade (art. 4º), para os quais basta a prova da prática do ato naqueles circunstâncias, para considerar-se lesivo e nulo de pleno direito. (STF, RTJ 103/683).”

(In: opus supra cit., p. 86-87)

Do exposto requeiro a reforma da r. Sentença, com o retorno dos autos ao juízo a quo para o devido processo legal.

São Paulo, 19 de novembro de 2004, 182º da Independência,
115º da República Federativa do Brasil e 100º do Tratado de Petrópolis

 

 

Carlos Perin Filho
OAB-SP 109.649


Home Page