Apelação na Ação Popular
dos Danos do Crime Organizado

 

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Excelentíssimo(a) Senhor(a) Doutor(a) Juiz(a) Federal da 11ª Vara da Seção da Justiça Federal de São Paulo

(JFSP-26/01/2007.000020515-1)

 

Autos nº 2006.61.00.022408-2
Ação Popular
Cidadão Apelante: CARLOS PERIN FILHO
Rés Apeladas: UNIÃO FEDERAL e OUTRAS

CARLOS PERIN FILHO, residente na Internet, em www.carlosperinfilho.net  (sinta-se livre para navegar), nos autos da actio popularis supra epigrafada, venho, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com base nos artigos 513 e seguintes do Código de Processo Civil, APELAR pela reforma da r. Sentença de fls. 44-45, conforme as RAZÕES que seguem, cuja juntada e remessa ao Tribunal ad quem ora requeiro.

Vale lembrar que este popular Recurso é imune ao preparo, nos termos constitucionais.

São Paulo, 25 de janeiro de 2007

 

 

Carlos Perin Filho
OAB-SP 109.649

 

 

Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região

 

 

Reparo merece o r. decisum do juízo singular, pois não logrou acompanhar como de costume o caminho do melhor Direito.

A parte final da r. Sentença está assim redigido, in verbis:

“É o relato. Decido.

O parágrafo único do artigo 2º da Lei 4717 de 29 de junho de 1965, que regula a ação popular dispõe sobre os casos em que se dá a nulidade de atos lesivos ao patrimônio:

“Art. 2º [...]

Parágrafo únicº Para a conceituação dos casos de nulidade, observar-se-ão as seguintes normas:

a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;

b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;

c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação da lei, regulamento ou ato normativo;

d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;

e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.”

A presente ação não corresponde a nenhum dos casos anteriormente elencados. Verifico, assim, a impossibilidade jurídica do pedido.

Diante do exposto, INDEFIRO a petição inicial e julgo extinto o processo sem resolução do seu mérito, nos termos do artigo 267, inciso I c.c. o artigo 295, parágrafo único, inciso III, do Código de Processo Civil.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.

Publique-se, registre-se e intimem-se.

São Paulo, 12 de janeiro de 2007.

 

REGILENA EMY FUKUI BOLOGNESE
Juíza Federal

Data máxima vênia, correção merece o r. decisum, pois o pedido nesta actio popularis é plenamente possível ao fins que procura, como restará demonstrado neste apelo.

RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, ao doutrinar sobre a Ação Popular, ensina ser a compatibilidade da pretensão um importante elemento de aferição da própria (im)possibilidade jurídica do pedido, in verbis:

“Às vezes, é certo, a pretensão não encontra, exatamente, guarida em norma legal, mas é compatível como o sistema, cabendo lembrar que por ‘ordenamento jurídico’ não se entende apenas o arsenal normativo, mas todos os demais subsídios jurídicos que o integram: doutrina, jurisprudência, analogia, eqüidade, princípios gerais, regras de experiência. (p. 119)

(....)

A (im)possibilidade jurídica do pedido, portanto, enquanto condição impeditiva de conhecimento do mérito, deve ficar reservada para aquelas hipóteses em que evidentemente, aprioristicamente, à mera leitura da inicial já possa o julgador concluir que a pretensão não tem previsão sequer teórica no ordenamento ou, pior, que este a inibe expressamente. Assim pensamos, porque a cognição das condições da ação não envolve juízo de certeza, e sim de plausibilidade ou razoabilidade. (p. 121)

(In: AÇÃO POPULAR - PROTEÇÃO DO ERÁRIO, DO PATRIMÔNIO PÚBLICO, DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA, E DO MEIO AMBIENTE, 3ª ed., rev. e atual. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998)

No mesmo sentido, RICARDO DE BARROS LEONEL, ao elaborar Processo coletivo: evolução e perspectivas, evidencia que, in verbis:

5.5 Possibilidade jurídica do pedido

Como já anotado, a possibilidade jurídica do pedido deve ser compreendida no sentido negativo, como ausência de vedação no ordenamento da espécie de provimento que o autor pretende com a ação. Não pode ser contemplada no sentido positivo, como necessidade de expressa previsão da providência, sendo inviável exigir do legislador que estabeleça previamente, e de forma hipotética, pedidos em tese amoldáveis a todas as situações da vida. Havendo previsão (constitucional e infraconstitucional) da tutela dos interesses metaindividuais de forma exemplificativa, e sendo formulados pedidos não expressamente vedados (declaratórios, constitutivos, condenatórios, mandamentais etc.), não se pode acolher a alegação de que a demanda tenha sido aforada com base na eqüidade ou com objeto juridicamente impossível.

(....)”

(In: MANUAL DO PROCESSO COLETIVO - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 211)

Os detalhes técnicos que aparentemente tornam juridicamente impossível o processamento desta actio popularis serão tratados individualmente, acompanhando as paraconsistências (contradições não triviais) envolvidas.

Dispõe o artigo 47 do Código de Processo Civil, in verbis:

“Art. 47. Há litisconsorte necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinalar, sob pena de declarar extinto o processo.”

Neste sentido, distribuiu este Cidadão Apelante a exordial para conhecimento jurisdicional paralelo à Ação Popular autos nº 98.0046584-7, atuais 1999.03.089952-9, conforme argumentado em fls. 16 da exordial.

Por não ter sido oportuna e adequadamente processada e conhecida a demanda em primeira instância restou em muito prejudicada a argumentação deste Cidadão - e a defesa dos interessas da Cidadania - no sentido de corrigir as omissões das Apeladas.

As regras constitucional e legal que garantem o devido processo para defesa dos direitos da Cidadania restaram prejudicadas na prestação jurisdicional monocrática, merecendo revisão por este Egrégio Tribunal, numa interpretação pluralista e procedimental da Constituição Federal, como ensina o professor titular de Direito Público e de Filosofia do Direito da Universidade da Augsburg-RFA, PETER HÄBERLE, na versão brasileira ministerial de GILMAR FERREIRA MENDES, in verbis:

I. Situação atual da teoria

Da interpretação constitucional

A teoria da interpretação constitucional tem colocado até aqui duas questões essenciais:

- a indagação sobre as tarefas e os objetivos da interpretação constitucional, e

- a indagação sobre os métodos (processo da interpretação constitucional) (regras de interpretação).

Não se conferiu até aqui maior significado à questão relativa ao contexto sistemático em que se coloca um terceiro (novo) problema relativo aos participantes da interpretação, questão que, cumpre ressaltar, provoca a práxis em geral. Uma análise genérica demonstra que existe um círculo muito amplo de participantes do processo de interpretação pluralista, processo este que se mostra muitas vezes difuso. Isso já seria razão suficiente para a doutrina tratar de maneira destacada esse tema, tendo em vista, especialmente, uma concepção teórica, científica e democrática. A teoria da interpretação constitucional esteve muito vinculada a um modelo de interpretação de uma ‘sociedade fechada’. Ela reduz, ainda, seu âmbito de investigação, na medida que se concentra, primariamente, na interpretação constitucional dos juízes e nos procedimentos formalizados.

Se se considera que uma teoria da interpretação constitucional deve encarar seriamente o tema ‘ Constituição e realidade constitucional’ - aqui se pensa na exigência de incorporação das ciências sociais e também nas teorias jurídico-funcionais, bem como nos métodos de interpretação voltados para atendimento do interesse público e do bem-estar geral -, então há de se perguntar, de forma mais decidida, sobre os agentes conformadores da ‘realidade constitucional’.

2. Novo questionamento e tese

Nesse sentido, permite-se colocar a questão sobre os participantes do processo da interpretação: de uma sociedade fechada dos intérpretes da Constituição para uma interpretação constitucional pela e para uma sociedade aberta (von der geschlossenen Gesellschaft der Verfassungsintepreten zur Verfassungsinterpretation durch und für die offene Gesellschaft).

Propõe-se, pois, a seguinte tese: no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição.

Interpretacão constitucional tem sido, até agora, conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os intérpretes jurídicos ‘vinculados às corporações’ (zünftmässige Interpreten) e aqueles participantes formais do processo constitucional. A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte dessa sociedade (... Weil Verfassungsinterpretation diese offene Gesellschaft immer von neuem mitkonstituiert und von ihr konstituiert wird). Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade.

(In: HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL - A SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO: CONTRIBUIÇÃO PARA A INTERPRETAÇÃO PLURALISTA E ‘PROCEDIMENTAL’ DA CONSTITUIÇÃO, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002 [reimpressão], p. 11-13)

Vale notar que a exordial não está apenas fundada na Lei nº 4.717/65, citada na r. Sentença para negar o pedido, mas na própria Constituição Cidadã, que garante, entre os direitos e deveres individuais e coletivos, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (artigo 5º) legitimando qualquer cidadão a propor actio popularis, visando anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Os danos ao patrimônio público são notórios, com Delegacias de Polícia, Bases Militares (até de Bombeiros) atacadas e em grande parte danificadas, conforme matérias de mídia colacionadas em fls. 26 a 40 dos presentes autos, inclusive com danos pessoais leves, médios, graves ou fatais aos Agentes Públicos Civis e/ou Militares que nelas trabalham.

Outro aspecto da r. Sentença a ser apelado é quanto à interpretação dada ao requisito da lesividade ao patrimônio público, pois é não apenas uma questão financeira pura e simples, de aferição por balanços de contabilidade ou planilhas de cálculo de Tribunais de Contas, mas sim em sentido amplo, como bem observa RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, in verbis:

“Nossa posição a respeito parte do princípio de que a lei não contém palavras supérfluas e o fato é que o texto constitucional não fala em ‘ilegalidade’ ou ‘ilegitimidade’, mas sim em ação popular que ‘vise a anular ato lesivo’. Quer dizer, a lesividade do ato há de ser, em princípio o leit motiv da ação, sua causa próxima mais evidente. Casos haverá (não serão a regra) em que tal seja a enormidade da lesão, que a ilegalidade virá por assim dizer ‘embutida’, presumida, ínsita na lesão mesma. Nesse sentido, José Afonso da Silva, em trabalho mais recente, escreve: ‘Na medida em que a Constituição amplia o âmbito da ação popular, a tendência é a de erigir a lesão, em si, à condição de motivo autônomo de nulidade do ato’. Hely Lopes Meirelles, a seu turno observa: ‘Na conceituação atual, lesivo é todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a Administração, assim como o que ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade. E essa lesão tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida, visto que a lei regulamentar estabelece casos de presunção de lesividade (art. 4º), para os quais basta a prova da prática do ato naqueles circunstâncias, para considerar-se lesivo e nulo de pleno direito. (STF, RTJ 103/683).”

(In: opus supra cit., p. 86-87)

Assim, parte das nulidades administrativas tratadas nesta popular ação são referidas também na matéria de ANDRÉ CARAMANTE no jornal Folha de S. Paulo de 19.10.2006, p. C-11 (anexo), com destaque para os seguintes parágrafos, in verbis:

SP diz não saber o que ocorreu com os 600 presos por atentados

Nos ataques do PCC, autoridades anunciaram existência de serviço de inteligência integrando as polícias Civil e Militar sobre a facção

O governo de São Paulo não consegue apontar hoje, seis meses após a primeira das três ondas de ataques da facção criminosa PCC, o que aconteceu juridicamente com as mais de 600 pessoas presas pelas polícias Civil e Militar acusadas de participação nos atentados. Ou seja, se continuam na prisão ou se já estão em liberdade.

A falta de informações precisas sobre quem são os presos durante os atentados, ocorridos em maio, julho e agosto, e onde eles estão hoje demonstra uma contradição no que as autoridades de Segurança Pública anunciaram durante os ataques: a existência de um serviço de inteligência integrando as polícias Civil e Militar, com informações sobre a facção.

Bem como parte das nulidades administrativas tratadas nesta popular ação são referidas também pela Defensoria Pública do ESTADO DE S. PAULO, conforme matéria de MÁRCIO PINHO publicada no jornal Folha de S. Paulo de 07.12.2006, p. C-9 (anexo), com destaque para os seguintes parágrafos, in verbis:

Defensoria processa Estado por morte em onda de ataques do PCC

Ação pede indenização de R$ 100 mil por danos morais para viúva de vítima

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo protocolou ontem no Fórum das Varas da Fazenda Pública um processo contra o governo do Estado em que pede indenização por danos morais à viúva de Rogério do Carmo Pereira, morto no dia 18 de maio deste ano por policiais militares na Favela dos Pilões (zona sul de São Paulo).

Segundo a polícia, ele foi morto durante confronto .

(....)”

E para concluir este Apelo, vale notar que parte das nulidades administrativas tratadas nesta popular ação são referidas também pelo analista de inteligência estratégica ANDRÉ LUÍS WOLOSZYN, em artigo sob o título Guerrilha, guerra civil ou terrorismo criminal? publicado no jornal Folha de S. Paulo de 05.01.2007, p. A-3 (anexo), com destaque para os seguintes parágrafos, in verbis:

“(....)

Longe dos conceitos de guerra civil ou de guerrilha, o que vem ocorrendo e pauta o cenário atual de insegurança no país é o terrorismo criminal, ou seja, ações violentas e indiscriminadas realizadas assistematicamente contra a população, praticadas por organizações criminosas com a intenção de causar pânico e intimidação, de forma descontínua na busca de interesses restritos.

Caso as autoridades governamentais não adotem medidas estratégicas para se antepor a esse novo tipo criminal, a tendência é a de que ele venha a proliferar, como de fato está acontecendo, e de forma cada vez mais violenta.”

Do exposto requeiro em substituição processual coletiva a reforma da r. Sentença, com o retorno dos autos ao juízo a quo para o devido processo coletivo constitucional e legal, visando a completa correção das nulidades administrativas federais e/ou estaduais e/ou municipais (gestão eficiente da segurança pública, cf. articulado por WILSON JÚLIO ZANLUQUI in O princípio da eficiência e sua defesa em Ação Popular, alguns contornos teóricos e práticos, in p. 475-502 de AÇÃO POPULAR - ASPECTOS RELEVANTES E CONTROVERTIDOS, São Paulo: RCS, 2006) e plena reparação coletiva dos danos materiais e/ou morais causados (cf. ensaio de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA sob o título Apontamentos para um estudo sobre a reparação do dano causado pelo crime e os meios de promovê-la em juízo, in TEMAS DE DIREITO PROCESSUAL, São Paulo: Saraiva, 1980, p. 96-116).

São Paulo, 25 de janeiro de 2005

 

 

Carlos Perin Filho
OAB-SP 109.649

 

E.T.:

Nome e/ou assinaturas podem não conferir frente aos documentos apresentados com exordial em função da reconfiguração de direito em andamento, cf. Ação Popular nº 98.0050468-0, 11ª Vara Federal de São Paulo, ora em Apelação, em autos sob nº 2000.03.99.030541-5 - www.trf3.gov.br

 


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